domingo, 13 de novembro de 2011

Tempo perdido?

Uma panorâmica do rock brasileiro em vista do último encontro-show do ciclo Rock in Natal dos Diálogos Criativos, que acontecerá quarta-feira, 23 de novembro.

Ugo Monte - Historiador e rockeiro amador

Enquanto a febre do rock and roll tomava conta do mundo, no início da década de 60, o Brasil entrava na fase mais sombria de sua história recente. A ditadura militar calaria todas as vozes dissonantes. A música popular brasileira representava a piéce de resistance da consciência nacional, em oposição ao elitismo blasé da Bossa Nova e ao modismo alienante da Jovem Guarda. Enquanto, de um lado, Roberto Carlos e Wanderléa animavam as tardes de domingo com a versão brasileira da beatlemania; na contracorrente, Chico Buarque e Geraldo Vandré representavam os expoentes de uma geração, cuja liberdade de expressão foi asfixiada pela censura.

Triste memória dos anos de chumbo, em que Alegria, alegria foi vaiada pelo público jovem do Festival da Canção, quando Caetano Veloso foi acompanhado pela sonoridade elétrica dos Mutantes. “Vocês não entenderam nada”, a tropicália era a fusão entre o local e o global, o samba de roda de Santo Amaro da Purificação e a música psicodélica da Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Liverpool é aqui só que pouca gente sabia.

Sob a vigilância onipresente da repressão, quase todas as cabeças pensantes partiram para o exílio ou para a clandestinidade. Nos anos 70, o rock sofria tanto pela imposição do nacionalismo ufanista do regime quanto pelo patrulhamento ideológico da esquerda. No Brasil, a guitarra foi satanizada como instrumento ideológico capitalista, enquanto os hippies usavam flores para tentar parar a máquina de guerra na América. Paradoxalmente, tanto aqui quanto lá, rock and roll era sinônimo de subversão.

Apesar de todo protecionismo ideológico, a MPB não estava fechada pro mundo, ao contrário; como anunciavam os velhos “novos baianos”, muita gente bronzeada mostrou seu valor: o samba-rock de Jorge Ben tinha a levada de sua guitarra; a turma do clube da esquina se reunia para tocar Beatles e a música de Minas; O “pessoal do Ceará” se inspirava em Lennon e em Dylan; Os Secos e molhados assumiram a identidade Glam de Bowie; Guilherme Arantes e Flávio Venturini beberam na fonte de Keith Emerson e Rick Wakeman; Os Mutantes eram os nossos Stones e Raul cultuava Elvis, antes de se tornar o trovador solitário do rock brasileiro, parceiro lisérgico do bruxo/profeta Paulo Coelho. Enganam-se aqueles que se orgulham do purismo da MPB e acreditavam que o rock era apenas pauleira.

Foi só nos anos 80, no embalo do movimento pelas Diretas já, que o rock pôde definitivamente assumir sua identidade brasileira. No início era uma brincadeira “rock and roll meio nonsense” cujo berço foi o palco itinerante do Circo Voador e o espaço cedido no dial pela Fluminense FM. Ali nasceram Blitz, Barão Vermelho, Kid Abelha, Gang 90, João Penca, Paralamas, Lobão, Lulu e companhia. Nada de política, só diversão. Os censores de plantão ainda estavam na ativa, mas os tempos eram outros. Parecia ser só mais uma new wave, não era, a onda começou a virar.

O rock nacional só passou a se levar a sério, quando assimilou a inquietude verborrágica de Renato Russo, a voz politizada do Planato Central que abriu as portas das gravadoras cariocas para o rock made in Brasília. Canções críticas como Geração Coca-cola e angustiadas como Por enquanto não se enquadravam na fórmula das FMs. Ao invés do esquema escola-cinema-praia-televisão dos adolescentes da classe média, as letras de Renato Russo falavam de conflitos pessoais, medo de rejeição, insegurança, hipocrisia, liberdade e necessidade de auto-afirmação. Renato e sua trupe assumiram a estética e o discurso punk. O concreto já havia rachado e não sobraria pedra sobre pedra.

A história do rock será contada antes e depois da Turma da Colina. As linhas geométricas de Brasília traçaram os limites entre a inocência perdida e a maturidade da primeira geração, na história política desse país, a votar pra presidente e a derrubar um presidente eleito sem golpe de estado. Se ainda não conseguimos nos desvencilhar da cultura nefasta do jeitinho brasileiro e do círculo vicioso da corrupção e do clientelismo político, há pelo menos um avanço significativo de lá pra cá: hoje a gente pode falar o que pensa, na sala de aula, no trabalho, na esquina, na mídia ou na arte, apesar de tudo que está aí.

Durante muito tempo, como estudante de história, na Universidade de Brasília, alimentava uma racional “inveja” da consciência crítica da geração libertária que lutou contra a ditadura, em contraponto à alienação da minha geração. Vinte anos mais velho, compreendo que as coisas não são tão simples assim. Viver na clandestinidade sob constante ameaça da repressão não é pra qualquer um. A minha geração não teve que renunciar a nada, nem tinha grandes ideais pra defender, mas quando olho pra trás, vejo que ela teve um papel importante pra mudar as coisas. A convivência com a democracia nos tornou pais mais próximos dos nossos filhos, maridos mais companheiros, amigos mais solidários, estudantes, trabalhadores ou consumidores mais conscientes, enfim, nos tornamos um pouco mais cidadãos num país onde os excluídos ainda são a imensa maioria. Não foi tempo perdido, mas já não somos tão jovens... Difícil é imaginar que a geração que cresceu nos Carnatais da vida, ouvindo Chiclete com Banana e Asa de águia, seja capaz, um dia, de alcançar essa redenção.

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